terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Uma, duas histórias

Há um tempinho me relaciono com uma pessoa que realmente usa drogas, não apenas fuma maconha, como conhece todos os analgésicos e opioides disponíveis no mercado legal e ilegal, sabe como, onde e quanto pagar por eles, sabe a dosagem que se pode tomar, os princípios ativos de cada um deles, até quanto se pode ingerir sem morrer, sabe como substituir por similares e quais os efeitos colateiras, sabe bulas de cor e que poderia se passar por uma bela hipocondríaca, se não fosse uma junkie. Conhece também quase todos os estimulantes, sabe onde conseguir, como e quanto pagar em cada um deles na cotação de dolar do dia, com ela conheci a ação de hidrocodona, codeína, morfina, cetamina, metadona, tebaína e claro, heroína, conheci nesse último ano mais de química orgânica que em todo o colegial, passei em química dois com ajuda dessa moça, além de ter me saído maravilhosamente bem em bioquímica, me apaixonei e terminei Breaking Bad e voltei a assistir a série, além te ter lido ótimos artigos de como alguns professores usaram o tema drogas para abordar química com secundaristas.

Já estive adicta( se é que podemos usar essa palavra)  por um tempo, tomando olanzapina, clonazepam, paroxetina, escitalopram, flouxetina e 2000mg de divalproato de sódio diariamente, não por motivos de recreação, mas sim porque provavelmente eu teria tentado sair dessa vida se não tivesse encontrado a tempo essas drogas legais.

Outro dia, Lois me chamou pela primeira vez de careta, porque não havia acendido o beck para ela e não queria que ele fosse aceso no momento, no entanto até então ninguém tinha me dito isso, pelo menos não na minha frente, eu me considerava uma pessoa super mente aberta e que lidava bem com coisas novas, apesar de algumas relutâncias, ás vezes. Fiquei pensativa e não achei careta optar por minha saúde, pelo bem estar do meu corpo e de minha mente. Sei que ela tem os problemas dela, que são muitos e muito maiores que os meus, a droga, no caso de Lola é apenas o escape para lidar com coisas que ela não lida sozinha, na verdade fugir de tudo que ela não sabe lidar, sou contra, mas compreendo o porque da busca frenética pela morte, a droga não é apenas uma recreação para algumas pessoas, ela se torna uma necessidade, há dores reais numa abstinência, dores que não tem motivos para existir, mas estão lá, são reais, são físicas e fazem as pessoas urrarem e se contorcerem, drogas como essas não apenas moldam o psicológico como viciam fisiologicamente, são tóxicas e letais, certamente ninguém acharia careta fugir disso.

No fim, dadas todas as explicações, vamos falar aqui da maconha.

A primeira vez que fumei maconha tinha quase dezessete anos, menos que isso provavelmente, estava numa festa de uma cidade, cidade pequena, com festas anuais. Não lembro direito a época do ano, mas eu havia bebido muita jurupinga, tomado umas vodcas e ficava com um carinha do meu colégio, na época estava acompanhada de algumas amigas, duas em especial, estava hospedada na casa de uma delas e apaixonada pela outra. Na noite passada eu havia ido para algum canto com aquele mesmo carinha, no meio do mato, mais precisamente, também estava bêbada, estava com frio e provavelmente acabada, sumi umas horas com ele, não me envolvi emocionalmente, porém foi uma manobra difícil driblar um cara bastante excitado no meio de um mato sem ninguém para te ouvir, após dizer algumas dúzias de vezes que eu não queria transar com ele ali, no mato, ele foi gentil e me tirou de lá. Ao chegar na casa dessa minha amiga contei pra ela, mas estava meio abalada com a situação. Na próxima noite, essa em que eu realmente bebi muita jurupinga, algumas vodcas e ficava com o carinha, a cidade estava cheia, eu andava com a primeira amiga para lá e para cá, as outras pessoas que nos acompanhavam sempre sumiam, elas diziam "dar um perdido", até que enquanto eu comprava outra garrafinha de jurupinga, minha única acompanhante sumiu. Fiquei like a crazy procurando por ela, odiava ficar sozinha, ainda mais no meio de uma multidão, numa cidade onde eu não conhecia praticamente ninguém. Após procurar um pouquinho, a vi um pouco de longe atracada com o carinha que até então ficava comigo, virei de costas e sai andando. Alguns passos e já tava completamente perdida dela, sozinha, no meio da galera desconhecida e bêbeda. Sai procurando todo mundo, novamente like a crazy e ai enquanto eu subia uma rua uns carinhas me pararam " e ai, tá sozinha andando por aí?", "cola aqui com a gente", eu com raiva, sozinha, perdida, passando meio mal, achei por bem sentar na guia da calçada e trocar uma ideia com os caras, pelo menos pra perguntar onde exatamente eu estava. Contei meus dramas para eles, que ouviram atentamente minhas reclamações, gente dramática bêbeda é foda, eles então me ofereceram um cigarrinho. "obrigada, não fumo" "vamo, vai te deixar mais de boa" (suposto diálogo, não me lembro ao certo o que eu conversei com os caras e nem quanto tempo fiquei ali) Peguei o cigarro, chupei com força, engoli a fumaça, me engasguei, comecei a tossir, achei que fosse botar todo álcool para fora, mas passou. Chupei o cigarro de novo e dessa vez deu tudo certo, fiquei mais um tempo conversando com os caras e não sei se eles me disseram onde meus amigos estavam, ou se encontrei com eles sozinha ou se me encontraram. Desse momento em diante, tudo ficou estranho, minha cabeça girava muito, as pessoas riam e eu achava que estava rindo de mim, fiquei tensa, com tudo girando, estomago doendo, garganta ardendo, foi horrível. Engatinhei numa calçada suja, vomitei horrores e terminei a noite vomitando nessa pessoa que seria minha melhor amiga hoje e por quem eu achava estar apaixonada, diga-se de passagem.

Aos dezoito anos tive a segunda experiencia com a maconha, eu fumava as vezes, mas ficava tranquila apenas, com o corpo relaxado, comprava umas gramas com Carla e ficávamos fumando e ouvindo música, ao ver que fumar não me causava grandes coisas, parei e por alguns meses não fumei nada, apenas cigarro. Um dia, uma ex que manjava das trocas e barganhas, trocou um narguilé por algumas gramas de maconha e algum dinheiro, não me lembro ao certo, ela trocou com um traficantizinho que morava no mesmo condomínio dela, fomos para minha casa, ela estava se mudando para lá e resolvemos fazer um brigadeiro para comemorar, foi tudo para panela, comemos, eu, ela (maybe) e Matheus que morava com a gente. Tudo ia bem, meus pensamentos estavam estranhos e eu estava alucinando muito, coisas muito doidas, com um pensamento tão acelerado que eu mal podia falar. Ficamos os três quietos por tempo indeterminado e foi ai que a trip começou a ficar bad, bem bad, really bad. Fomos para o quarto, na época eu dormia num colchão inflável, com ondas azuis, deitamos, tudo girava e comecei a me sentir em uma correnteza de rio, após uns minutos tinha certeza que estava na correnteza e que ia morrer, achava que ia cair a qualquer momento dali e morrer. A ex me acalmava, "ei, tudo bem" "já vai passar", aos poucos melhorou e transamos, esse momento foi ótimo, mas era só eu fechar os olhos que vários demônios apareciam em minha mente em pop art, o que tornava tudo mais assustador, um menino pedalava um triciclo em vários frames diferentes em cores diferentes e quando virava para mim tinha o rosto deformado e eu gritava e menina tentava me acalmar e eu fechava os olhos e tudo voltava e eu pedia para que ela fizesse aquilo parar e não parava. Acho que minha pressão caiu, sei que passei muito mal e acabei apagando.

Ano passado, no fim do ano, fui "diagnosticada"( se é que é possível um médico fechar um diagnostico tão complexo em um ano e outro seguir os passos do outro médico e dar um prognostico da mesma doença)  como depressiva e posteriormente como bipolar (CID10 F33.3 e F31.5 respectivamente), tive várias experiencias com LSD e mesmo maconha, essas experiencias foram essenciais no ativação de um sintoma que pode ser apresentado tanto nos quadros mais graves de mania como de depressão, a despersonalização. Esse sintoma se caracteriza por dar uma sensação de falta de realidade, hoje, sem as medicações, sei como lidar com episódios assim, esses são até raros, precisam de um gatilho para acontecer, sei mais ou menos quais são os gatilhos que posso encontrar por aí, filmes que é melhor não assistir, séries que melhor não ver, livros que não são recomendados e claro, drogas que são terminantemente proibidas. Meu pensamento é naturalmente acelerado, tenho uma tendencia a criar coisas com muita facilidade, sou boa em fazer isso, tudo dentro da minha cabeça viaja rápido demais, as vezes fica difícil acompanhar e eu acabo parecendo bem lerdinha nas coisas reais, que realmente estão ocorrendo ao meu redor, as coisas mudam muito rápido e quase nunca eu estou no presente. Tenho uma tendencia a paranoia também, isso pode causar medo, pânico, ansiedade e agressividade. Fora as manias, que aparecem como automutilação, tricotilomania, dependência emocional e a necessidade da dor, seja arrancando um pelo, beliscando as coxas e braços, furando a pele ou fazendo pequenos arranhões nos braços. A mania que mais me prejudicou até hoje e um dos psiquiatras que me assistiu acredita que a doença deu os primeiros sinais logo na infância, pensamento mágico, acelerado e mitomania bem acentuados em diversas partes da minha vida. Por fim, tenho a dizer que minha escolha por não fumar maconha não foi por um pensamento antiquado, nada tenho contra maconha, inclusive gosto dela, do cheiro, da cor, da fumaça, do gosto. Acho a planta e flor maravilhosas, sei como ela é, conheço sua morfologia, quais os hormônios que regulam a floração e os princípios ativos, sei mais ou menos como ela funciona no cérebro, como age no SNC e mas importante sei que se eu usar, se eu fumar um beck, der dois pegas que seja, todo meu esforço para me manter mentalmente sã vai por água abaixo. Sei que a paranoia vai tomar conta de mim, que vou me sentir inadequada no ambiente, que vou ficar muito introspectiva tentado acompanhar os pensamentos sobre todas as informações ao redor, TODAS AS INFORMAÇÕES, sei que minha capacidade de socializar vai ficar reduzida, que vou sentir irritação comigo, com os outros, sei que provavelmente vou ficar dias computando todas as informações que meu cérebro tornou visível, o que pode me causar crises depressivas severas, pois o desejo de sumir não apenas imagina uma possível desintegração de matéria terrestre, como traz a tona remédios fáceis que podem levar a uma overdose, vontade de afundar em um rio, mar, lagoa, de pular de lugares altos, toda a corja de pensamentos de sumiço que possam existir, overdose medicamentosa as vezes é uma grande tentação nessas horas. Sei também que fugir de quem se é não é legal, mas no momento seria insano abraçar tudo isso, tenho uma faculdade para terminar e uma carreira para construir. Tenho descoberto todo dia quem sou e aprendo meus limites. Devo respeitar meu corpo acima de tudo, respeitar a serenidade atual de minha mente, essa escolha é consciente de quem sou e do que quero para mim, não um pensamento retrogrado ou um medo de experimentar coisas novas, passa longe de ser uma simples caretice.

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