quarta-feira, 30 de novembro de 2016



Quando o assunto é educação, podemos afirmar que o docente é o agente que mais se aproxima do educando em sentindo de contato e vinculo, apesar da escola ter toda uma gama de profissionais qualificados para lidar com as demandas escolares e muitos deles também serem ou terem sido docentes, o papel do professor dentro daquele ambiente diz respeito a formação cultural e social daqueles alunos. O professor é o mediador entre o currículo e a sala de aula, é ele que aborda em aula os temas sugeridos nos currículos escolares, ele que percebe a influencia desses temas em seus alunos, ele que garante que haja uma abordagem acerca daquilo. O docente, ao estar diariamente com o educando consegue perceber também se seu conteúdo esta abrangendo a classe como um todo, percebendo com facilidade quando as diferenças são esquecidas, atropeladas ou tratadas como algo a ser superado. 
Atualmente, vive-se um processo de integração do diferente dentro do currículo escolar, anteriormente monocultural, hoje fluindo para a pluralidade e com processos multiculturais cada vez maiores, percebe-se que ainda falta muito, o processo de integração fez com que a diferença fosse notada, mas ainda há muito para se chegar a um inclusão propriamente dita, já que as diferenças vistas com igualdade ainda passam longe do principio de equidade, hoje tão discutido, onde cada demanda é notada e onde os aspectos escolares são realmente adaptados a realidade desses alunos que trazem a pluralidade ao ambiente escolar. Convém citar que os próprios professores sofrem com a monocultura presente na escola, a padronização dos currículos, que não levam em conta a região onde se situa, a situação e realidade dos alunos e professores, a dinâmica social local e os saberes trazidos a priori pelos educandos. 
Cabe salientar que o processo de humanização, a qual a sociedade, família e escola, desempenham deve considerar a matriz cultural a qual aquele individuo esta inserido. tendo em conta que esse é uma parte fundamental da vida daquele educando. A homogenia escolar acarreta situações de complicação em relação a rendimento escolar, falta de pertencimento e possível evasão. Muito tem sido feito e hoje em dia os currículos se adaptam as novas realidades e o professor se apresenta como peça fundamental nessa mudança que segue ocorrendo e que tende a estar cada vez mais próxima de um currículo escolar multicultural, que preserve e respeite as diversidades, trazendo o conteúdo para o contexto do educando.

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O mundo estancou de repente ou foi a gente que cresceu?

Tem dias que eu realmente não consigo, hoje foi um deles, amanhã se aproximava sorrateira, me trazendo questões urgentes a serem resolvidas, desgaste a vida em grande parte de suas formas, eu fiz que não estava vendo aquele turbilhão vindo, ontem o futuro, hoje o agora. Com tantas responsabilidades e momentos tensos de decisões que parecem urgir sua vida e encomendar sua morte, a vida vai se fazendo e eu quase nunca paro para ver o que realmente acontece em mim, em como eu tenho sido e o que ando buscando. Aquela frase de autoria desconhecida que virou fenômeno de legenda de fotos há cerca de dois anos atrás: apenas vai, apenas foi, fui e todas as conjugações pertinentes do verbo ir. Confesso que não aderi o uso da frase para a vida no aspecto digital, mas desde os diagnósticos e da minha recusa dos tratamentos decidi que apenas deveria ir sem parar demais para pensar nas coisas. Lembro que naquela época estava num autoconhecimento profundo, cheio de acontecimentos intrigantes, erros e melancolia, apenas ir me possibilitou um mundo de coisas que talvez eu não vivesse agora, mas até que ponto se ignorar é bom? Eu olho no espelho e percebo que este tempo esta passando, que as coisas vão mudando e assim como as concepções de mundo, eu realmente me sinto mais velha e sinto que algo de inevitável se aproxima, esta correndo como água entre os dedos, o nosso amigo tempo,, curador de todas as dores esta voando sobre nossas cabeças, esculpindo nossas faces, afinando nossos rostos e aprofundando nosso olhares. Os aspectos que antes me fugiam os olhos agora saltam serpenteando em meu rosto: o tempo, a vida, eu.

Observava atenta os relatos de minha tia-avó, aos setenta e nove, após um acidente vascular cerebral, uma vista prejudicada e um principio de uma doença que lhe tira a memória, ela me mostrava as fotos de sua juventude, queria um quadro grande para que pudesse deixar a vista e para que todos vissem o trabalho maravilhoso que fazia na época, eu supunha atenção à ela, mas minha mente travava batalhas imensas sobre como eu deveria estar trabalhando em meu TCC ou estudando genética naquela hora, no fundo eu tentava me importar com tudo que ela contava, por mais que eu já soubesse todos aqueles acontecimentos de cor, por mais que eu já conhecesse aquelas fotos por cada detalhe. Parece cruel, mas no fundo as coisas tem relativa importância apenas a quem as possui, seus feitos, bons ou maus, são esquecidos, suas histórias, belas ou feias são apagadas, tudo de mais importante na sua vida morre com você. No momento um rompante de desapontamento com a existência tomou conta de minha mente, aquela sensação de falta de fé, de que tudo acabará e por mais que você volte infinitas vezes, essa vida não fará sentido algum após o cumprimento de sua jornada atual, suas perdas e ganhos, os processos de dor e de felicidade, serão meros vultos, apagados por um véu invisível. Aquele meu descredito com o futuro sempre a tona .

Eu realmente sempre amei ouvir sobre a vida das pessoas que me cercam, a infância de meus pais e avôs, as histórias misteriosas de Zé Aleixo, o filho de escravos, a casa de barro sem forro, o céu repleto de estrelas do sul de Minas, o casarão e a senzala, os fogões à lenha e os banhos de rio, meu pai sempre falava sobre aqueles aspectos mais belos do que vivera, por mais que o dinheiro faltasse, por mais que vó corresse atrás com vara de marmelo, por mais que tivesse sido uma época complicada a formação profissional. Minhas tias avós contavam da infância na roça, o irmão que participou das guerras e morreu ainda moço, a mãe parteira, segurava o nenê das moças todas do bairro. O filho que minha vó perdeu por causa do raio, o sobrinho que morreu pondo sangue pela boca, a labuta do pai e a dor do amor esquecido e já falecido. Aparentam sempre ser histórias de alguma tristeza e de que algo de grandioso ficou lá trás, nas palavras delas " a vida já passou". Algo de se amargurar o tempo perdido, os erros e os acontecimentos não perdoados. 

Me olhava no espelho e acho que tal introspecção tão fervorosa, eu só havia feito em meados de agosto do ano passado, adiantando os sintomas de um surto psicótico, passando a mão pelo rosto notei que minha pele sofreu com o impacto dos últimos quatro anos, os corticoides para a psoríase, os cremes caros e oleosos, as exposições desmedidas ao sol de Ubatuba e aquelas olheiras que agora custam a sair e se amenizar. Meu pai tem um rosto marcado com muitas expressões, minha pele é parecida com a dele em inúmeros aspectos, não tenho marcas ainda, fora alguns risquinhos na testa e as marcas de expressão causadas por algum sorriso em demasia. Eu estou aproveitando meu tempo aqui? me perguntei a priori, a principio pensei que não, mas logo notei o tanto que eu já havia vivido e o quanto havia aprendido nesses últimos anos.

Mas como eu dizia, tem dias que eu realmente não consigo, não consigo apenas deixar esse tempo correr, antes das grandes decisões preciso parar e rever meus passados, nossos passados, mas o amanhã já é o agora e apesar de ter tirado esse longo e tardio dia para notar meus aspectos mais desapercebidos, temo dizer que o hoje já esta começando e no começo sempre se labuta mais e no começo sempre se tira uma força da cartola. Aqui estamos, bem vinda a esse momento único da vida, que por mais que seja penoso, já esta a um passo de terminar.     

"estou disposta a isso, estamos a um passo do fim, olha para lá, consegue ver? ta vendo o horizonte? olha como a gente vive hoje, olha essas possibilidades todas se abrindo como um universo de constelações infinitas aqui. somos esse pontinho aqui, olha, olha. eu menor que o grão de areia, se comparado a essa imensidão. estou feliz agora, nesse exato agora. vamos correr pela rua? não quero que isso acabe, quanto tempo já estamos vivendo isso aqui? vamos correr até o mar, quero que esse momento dure a eternidade" Foi um passo e agora esse momento completa 400 voltas no próprio eixo.  

domingo, 27 de novembro de 2016

Psycho Killer

Não esperava tão cedo reencontro, salão esse bem desproporcional ao seu estilo de vida, eu disse, a moça ruiva, da cara imensamente pintada de sardas de sol, riu. Na semana passada eu teria tomado aquele café supimpa na sua cozinha por pintar, mas hoje o que faço é escrever, escrever, escrever, nada que eu já não esteja acostumada a fazer, nada que não me dê um minimo de prazer, pois eu realmente gosto das orações, das sentenças e das virgulas, mas isso nem ao caso vem. Fato é que semana passada eu tinha tempo, mas não tanto assim, tinha mais era preguiça de estudar genética de populações, translocações e relações hídricas, por tudo isso, quando se escreve muito, se consome muito e a academia te desgasta muito, você lê muito e assiste muito seriado, acaba vivendo um pouco alheia ao que é real, bem comigo acontece com muita frequência, disse a moça dos cachinhos, que tem como maior hobby o consumo de opiáceos, olhei para ela e logo disse, não esperava tão cedo reencontro, dado que a última vez que nos vimos, joguei o celular na parede e ameacei te bater com um livro do Caio F. Abreu, sabe eu tinha acabado de receber aquele livro e apesar de ter custado 19 reais seria triste se caísse dentro da tuba suja e entupida da pia decadente, na verdade nem foi isso que eu disse, acho que terminei a frase ( essas que eu tanto gosto) em reencontro, ponto final. Com todos os cachos presos num coque desgrenhado e horrendo acima da cabeça, ela acendeu um cigarro, foi até a janela, mas devo dizer que não há nesse trecho nada romântico, nada poético, nada de nada, porque a casa estava realmente imunda, por onde se arrasta o pé, sai pó, por onde se anda, levanta bolas de pelo e se ousar passar a mão naquele peitoral, capaz sair um gremlin no dedo e capaz que pule na cara e grude para todo o sempre. Eu nem queria estar sentada ali, uma camiseta de moscas, branca e nova e uma calça jeans azul escuro, que estava na promoção na Riachuelo, eram minhas mais novas aquisições de vestimenta naquele momento. A moça ruiva, passou uma das mãos no chão escuro de taco, deixando-me ver na palma da mão branca três definidas barras pretas, de fuligem, cinzas e pó, fiz cara de nojo extremo e me levantei do chão. A janelesca e fumante mulher, vestia uma camiseta azul desbotada e um shorts jeans velho e rasgado, levantou o olhar da janela se voltando para meu movimento brusco de retirada do chão sujo, você ia mesmo jogar o livro em mim? indagou enquanto sorria falsamente, pensei que o clima ali estava bem estranho, estranho e sujo, não que minha casa seja a primazia da limpeza, tenho um cão, dois gatos e eu, um quintal com terra, tomates e sapos, eu nem sei esfregar box de banheiro, o meu ta sempre engordurado, mesmo limpando uma vez na semana ou no mês, tentei disfarçar e o rádio, pasmem, a única coisa eletrônica ainda existente naquela casa começou a tocar Te Devoro do Djavan, cantarolei o primeiro trecho, pigarrei e pedi um pouco do chá gelado que jazia, já provavelmente morno, sobre a mesa de mogno empilhada em um canto da sala, olhei novamente a imagem que estava disposta de maneira bem informal sobre a mesa, enquanto agarrava a garrafa de chá e enchia meu copo, ali estava um amplo salão, iluminado por uma janela panorâmica que pegava a parede toda e dava de frente para o banhado, disse em voz alta, posso ir embora a pé desse apartamento, se eu estiver bem disposta, sim esta a menos de 10 minutos da sua casa, disse a ruivinha enquanto folheava um livro de uma das caixas empilhadas ao lado do chão sujo onde estava sentada, a do coque até agora não havia dito nada, mas nem mesmo sei precisar o tempo que se transcorreu desde a pergunta que ela me fez até o momento em que falei algo útil sobre o novo apartamento, o livro, você ameaçou atirar um livro em mim, até quando vai ignorar o fato de que não apenas eu preciso de ajuda, você também precisa, quanto tempo faz que você não vê um terapeuta? Quando foi a última vez que você se descontrolou assim com alguém? 
Há uma coleção de descontroles aqui na minha memória, puxando um dos mais velhos, eu jogava a escova no chão com raiva, por não conseguir desembaraçar o cabelo ou era minha mãe quem jogava por não conseguir desembaraçar meu cabelo, não poderia afirmar, mas outra vez bati no cachorro que nada tinha culpa da minha irritabilidade e outra vez quebrei meu celular na parede, ameacei jogar as coisas de alguém que eu amava fora, bati em alguém que amava, arranhei sua pele branca e com muito pesar vi muita tristeza naqueles fundos e semicerrados olhos verdes, mas também sangrei demais naquele tempo, doía demais, tantos hematomas, tantas hemorragias, mas tanto compulsivo, abusivo e doentio amor, de tantas as partes. Confesso algo de mim tende a querer estar perto do que me faz mal, eu estava naquele apartamento sujo, olhando a pia decadente, repleta de louças há seculos, poeira, fuligem, pó, meu prazer pela dor, seu gosto pelo poder.  Há uma coleção de recomendações terapêuticas quanto a isso, dizem que a bipolaridade pode se manifestar na infância, mas é comum se evidenciar no final da adolescência e inicio da vida adulta, há anos eu estou bem e equilibrada, a anos eu raramente levanto a voz, há anos eu resolvo as coisas como um ser civilizado, eu estou bem, sei disso, olha para meu rosto!? Bochechas coradas, cabelo escovado, lavado, cheiroso, longo e brilhante, roupa ajeitada, comida feita com carinho e amor, sexualidade normal, fluindo, eu estou bem, pensei em dizer, eu gosto de você, foi o que saiu da minha boca, mas não a aponto de nos respeitar como seres individuais. Ser um só corpo, Vinicius me disse uma vez, aprendi a amar errado, desde muito cedo. Ela saiu da janela e veio ao meu encontro, segurou minha cabeça, suas mãos cheiravam a cigarro, fortemente aquele cheiro começou a impregnar no meu cabelo, te beijei, ou retribui um beijo, talvez eu apenas quisesse acabar com aquilo tudo rapidamente, mas sentir a quentura de sua boca se espreitando contra a minha e enchendo de carmim os vãos obscuros dos dentes e as possíveis cáries e todas as bactérias, me fizeram ver que ali ainda havia algo, pequeno e moribundo algo, não há nada de romântico nisso, nada de poético, nada de nada. "Qu'est-ce que c'est?", a frase que produz a melhor onomatopeia para o ruído de uma serpente quando repetida continuamente. 

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Adelante, és que espera que algo salga bién, por una vez. Ayer estuve mirando infitamente al cielo y me he tocado de que algo estaba roto, estaba roto adentro de mí y yo no tenia ni las ganas y ni las fuerzas para arreglarlo.

Despersonalização

Maratona de Black Mirror na madrugada de ontem e parece que meu mundo meio que congelou, é certo que alguém com um histórico complexo de psicoses e despersonalizações como o meu não deveria forçar o cérebro de tal maneira, mas hoje era dia de los muertos, eu não teria aula e consequentemente poderia surtar a vontade dentro da minha própria casa. As cinco da manhã parei com a série, já percebendo que Black Mirror não é para assistir dessa forma, cada episodio traz uma serie de reflexões pertinentes e devemos de fato parar para pensar sobre elas. Eu não dormi, deitei e fiquei olhando para o nada e rolando na cama tentando em vão arrumar uma boa posição. É uma fuga da rotina, mas por ser feriado me permiti fazer o que gosto bastante, não ter hora exata para acordar.

Ontem antes da aula conversava com Lili, Erika, Fabi e Carol sobre 2001, estando na reta final da história, sinto que não gostaria que o livro terminasse, como foi com Lolita e Fabrica de Vespas, o primeiro me causou um incomodo como nenhum outro havia feito, quando se via a malicia por qual Humbert Humbert observava a criança e notava que todas as ações de Dolores eram nada mais, nada menos que coisas que crianças normais fariam, o incomodo era iminente, será que realmente essa é a visão de um pedófilo? Ou ele realmente achava que Lolita tinha noção completa do que fazia? Lolita ficou em minha cabeça por dias, mesmo eu só tendo curiosidade em ler por causa do apelido fofinho e ambíguo de Lois. Quem superou Lolita de fato e com muita maestria, cerca de oito meses mais tarde, foi Frank, Fábrica de Vespas me causava repulsa, nojo e asco, mesmo assim a leitura me tragava e eu não consegui parar até  chegar naquele inimaginável final e novamente ficar vidrada naquilo, para evitar ressaca literária, já que só fui conseguir ler qualquer livro que não fosse cientifico após oito meses do termino de Lolita, emendei 2001 sem nem dar tempo pro cérebro computar toda a informação da viagem feita dentro do mundo subvertido de Frank e sua família.
Lili, como mais velha do grupinho onde eu estava inserida no momento, disse que havia assistido o filme, depois de um brigadeiro com maconha e entrado numa bad gigantesca com a dantesca e super futurística história de HAL e da Discovery, eu concordei, o livro causa uma sensação estranha, um pouco maior que Fabrica de Vespas, por tratar de algo incerto, algo que a gente nunca vai tanger, algo que esta no imaginário de praticamente toda a humanidade, 2001 me traz a sensação que já conhecia de tempos, quando li, ainda bem novinha, beirando os 13 anos, Eram os Deuses Astronautas , tendo o homem chegado a lua um ano depois do lançamento do livro e um ano exato após o lançamento do filme, os anos 60 meados de 70 trouxeram o boom espacial para a humanidade de fato. Meus pais me possibilitaram algumas leituras que formaram de fato minha personalidade e contribuíram enormemente para as loucuras em que acredito hoje. Incidente em Antares, Eram os Deus Astronautas, Admirável Mundo Novo, Horror em Amityville, Mobydick e A Odisseia, formam o montante de livros que li de forma precoce e que tiveram grande impacto na minha vida, na época de uma Anelise em formação e da pessoa que sou hoje, cercada desses "probleminhas" sociais.

Bem, a aula se passou sem problemas, conversei com Lili num intervalo entre genética e zoo, sobre nosso atual cenário politico e social, mas principalmente sobre nosso futuro incerto, como licenciandas, como educadoras, como pessoas que realmente se importam com aqueles que vemos diariamente em sala de aula, aquelas pessoinhas que apesar de levar a vida hoje na brincadeira tem uma sociedade inteira nas costas e devem ser intruidas, orientadas e  acolhidas da melhor forma possível. Lili, teve uma sorte imensa ao conhecer um projeto inovador de educação na cidade em que estagiamos, uma escola experimental, estilo escola da Ponte, que traz um conceito maravilhoso, mas de difícil aceitação em uma sociedade pseudo conservadora, de fato os prognósticos sobre esse novo método sairão em breve e vou deixar essa discussão muito pertinente com Lili para outro longo texto desse blog/diário.

Após uma conversa um tanto estranha com a professora de zoo (e devo deixar isso para outro texto, já que toda minha história com ela vem merecendo um estudo a parte) comecei a sentir dores fortíssimas de cabeça , havia passado um dia inteiro sem café, talvez a cafeina estivesse fazendo falta para meus neurotransmissores, sai do laboratório sob um olhar de reprovação fortíssimo de Karla, ela mais que todas as outras professoras, odeia que larguemos as aulas, principalmente as práticas. Mas ela já deveria estar acostumada, odeio o cheiro de formol e me enoja lidar com ratos e morcegos mortos, amo e participo com afinco apenas das aulas de osteologia, pois toda estrutura dos corpos orgânicos me fascina, acho a formação dos ossos monstruosamente incrível e cultivo sem medo de represálias, uma pequena coleção pessoal de ossinhos. Andando pelo céu noturno de um campus semi vazio, notei que eu já estava quase perto do aras e ainda de jaleco, eu não havia percebido que tinha ido tão longe e nem tinha noção de que horas eram. Lembrei na hora da aula da Lívia em que tudo isso começou, a primeira vez em que sem fazer uso de nenhuma substancia eu havia perdido a noção completa da realidade. Engraçado que naquele dia especifico eu também tinha conversado com Lili durante um bom tempo, eu estava inclusive ao lado dela quando notei que tinha algo bem errado com a minha percepção da realidade. Apaguei aquele pensamento e voltei rapidamente para o laboratório, parando na cantina para tomar um suco de maçã e tentar me focar novamente nos ratos mortos.

Nat, a cerca de uma semana me dizia enquanto comíamos um pedaço de pizza antes da aula de legislação, para assistir Black Mirror, após eu ter dissertado o quanto gostava de livros e filmes que desgraçassem minha mente e me fizessem pensar e pensar e pensar. Ele me deu uma síntese rápida de como o primeiro episodio havia mexido com ela e disse enquanto deixávamos a cantina em rumo ao auditório, "assiste e você nunca  mais vai olhar para sociedade do mesmo jeito".  Ultimamente nem mesmo a Revolução dos Bichos que reli após cinco anos, me fez mudar de alguma forma a visão da sociedade.

Assisti a serie durante a madrugada, cozinhei uma massa al dente, fiz um pequeno refogado de alho e ervas e quando a janta estava pronta me deitei, com um suco de maçã e cenoura recém batido para assistir. O primeiro episodio me causou repulsa, o segundo me deixou descrente e assim foi seguindo desgraçamento após desgraçamento. Ás 10 horas eu já estava desperta, mas não quis me levantar, as 12 eu acordei novamente sabendo que tinha roupa para lavar, mas não me levantei, às 15 o mundo caiu e eu ouvi da minha cama uma tempestade monstra lá fora e agradeci a mim mesma por não ter lavado a roupa. Ás 17 horas acordei com a minha cozinha inundada e sem luz, eu não podia fazer um café ou uma comida qualquer, pois meu fogão só funciona na eletricidade e eu não tinha fósforos, não podia bater um suco de inhame e morango pois o liquidificador precisa de energia, não podia fazer uma torrada ou misto pois a torradeira também precisava de energia, não podia secar a cozinha pois o aspirador de pó/água não funciona sem energia e os únicos panos limpos são os tapetes do banheiro e da sala. Até minha lanterna precisava ser carregada na energia, a luz de fora, a cafeteira, o celular para que eu pudesse ligar na Bandeirantes pedir para religar a força, tudo descarregado.  Busquei umas velas e não encontrei nada. Na hora a mente misturou, como eu já sabia que faria, mas aquelas condições todas ajudaram um tanto, a trazer a despersonalização de volta, apesar de eu saber no fundo as causas e saber com toda certeza que o que eu via ou sentia não era real, a sensação é absurda. Andei pelo corredor, a luz gélida de fim de tarde me remeteu instantaneamente a luz azul de emergência de uma Discovery em pane, parecia que o chão não estava ali, um havia algo bem errado com a gravidade, eu pisava uma água turva e até mesmo uma fumaça desintegrada pairava no ar, a essa altura o notebook estava ligado sobre a mesa da cozinha, eu estava atordoada, completamente fora da realidade, mesmo tendo uma minima consciência de que aquele estado iria em breve passar. Passei esbarrando a mão na mesa, ao menor movimento o mouse acendeu sua luz vermelha óptica e Cortana, cortou o silencio inerte da casa, dizendo com sua voz robótica "pergunte-me alguma coisa". Eu quis gritar, até minha mente entender que aquela era a saudação normal da minha maquina quando era ligada, me lembrei de HAL, da Siri, das previsões de 2001, ficção de 1968, teve como previsão tudo o que vivemos hoje. Lembrei do momento em que Floyd agarra seu Newspad, abordo do ônibus espacial, onde podia ter acesso a toda informação do mundo com um simples toque de dedo, era 1968, estamos à anos disso e temos todas as tecnologias que foram previstas no livro, chegamos ao espaço, a lua, e temos sondas em Marte, Discovery provavelmente já existe e minha mente estava prestes a explodir ao assimilar tudo isso com a realidade distópica de Black Mirror e todas as coisas que vivemos hoje. Decidi que era melhor eu me deitar já que a mente estava funcionando com muita informação e ao piscar os olhos um tanto de vezes, ainda na atmosfera estranha da falta de realidade, me lembrei de Le Congrès e do quão perto estávamos da ficção novamente se tornar realidade. Há pouco tempo a luz voltou, fiz meu café, comi minhas torradas e novamente esperei que a realidade voltasse a fazer sentido, claro ela voltou, mas aqueles pensamentos todos estão gravados e o medo eminente do que vamos nos tornar no futuro continua.