quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

Cadeira

Eu chego em casa e penso em comer e dormir. Agora olho fixamente para uma cadeira  desbotada, as cores formam um degradê que passa do preto ao amarelo e seguem faixas de vermelho alaranjadas, não tem como distinguir se fora amarela, preta ou vermelha no passado, no momento não existe uma única cor que possa representa-la.

Mas eu sei, chego em casa cansada e tento ao máximo me focar nisso que faço, na vida que levo, quero que nada no momento tire essa minha atenção do momento de agora, essa que venho sendo é algo novo para mim, estou fazendo as coisas e indo e tendo coragem, passo grande para quem antes não podia ao menos se mover.

Quero economizar e tenho conseguido não gastar tanto com bobagens, quero estar aqui e é isso que tenho feito.

É um artigo por dia e meio caminho andado até 03 março, enquanto isso existir estarei aqui, trabalhando e correndo atrás dessa vida, me senti melhor, mais disposta a cada longo dia, ainda há os dias meio ruins, dias em que quero apenas ficar dormindo e nem ver o sol. Nesses dias eu me arrasto, mas vou, o problema é sempre dar o primeiro passo e agora tudo que me enche de medo, me enche de esperança também;

Agora, faltará todo tempo e ainda sim tenho tanto a minha frente.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

lie's anatomy

Há três partes de mim envolvidas quando se trata das mentiras, medo, arrependimento, palavras.

Bom, a primeira me causa uma insegurança, o medo de ser descoberta, esse persiste durante muito tempo e é só eu me ocupar com algo do presente ou focar em uma invenção do futuro que por instantes esse medo se esvai, basta eu confrontar a mentira outra vez e o medo volta com tudo, ossudo e truculento "oh,oh,oh, vou te tirar a paz" ele diz calmamente, "oh,oh,oh, sou seu fruto" ele clama, "você é a única responsável por mim".

O segundo medo é o arrependimento, não por medo de ser descoberta e sim por me sentir mal por mentir, principalmente quando é alguém que amo, como família e amigos, hoje foi com ela e a de hoje foi a que trouxe maior remorso em relação a isso, o segundo medo é o da confiança perdida pelas pessoas que amo. Pois me sinto o pior tipo de gente quando minto para alguém amado, pois não consigo justificar e já não posso desmentir, o que esta feito, esta feito. Hoje vi nos olhos dela que ela seguia  botando fé no que eu dizia, no fundo meu peito gritou e eu quis dizer "É UMA CILADA BINO", mas essa parte de mim se resignou e atendeu ao dominante e mentiroso outro eu. Em segundos o medo pesado e truculento já arrombava as portas.

Jess, uma tarde, apôs me foder lindamente, ficou por alguns minutos me olhando nos olhos, naquela época eu já sentia algo por ela e tentava entender porque, sendo que já sabíamos que seria só sexo, eu vi que ela se parecia com a primeira, no jeito de falar, de agir, até a forma como conduzia o carro, fecho os olhos e é como se eu a ouvisse falar novamente. Ela me disse aquele dia " você é uma menina perigosa", perguntei porque e ela me respondeu "você mente". Eu quase nunca paro para ponderar o aporte moral da mentira, faço por auto preservação, creio eu. Acho que eu surtaria se começasse a pensar seguidas vezes nesse arrependimento de mentir e seguir mentindo e tentar muito, muito, muito e não conseguir controlar isso. Euforia me leva a mentir, insegurança também, disforia se apertar um pouco pode desencadear uma mentira, o ápice da mania, quando já nenhuma automutilação resolve, quando as pernas e braços já estão completamente lesionadas, ela escapa como um último suspiro para atingir ao deleite, uuufff, ela sai;

Não pense que eu sinto prazer em tudo isso, não, eu apenas não consigo controlar as vezes, ou me faço crer nisso, de ambas as formas preciso encontrar uma forma de fazer com que as crises de mania não se tornem mentiras e que as depressivas não me tornem psicóticas, dois comprimidos de valeriana officinalis, seguido de chás de qualquer outra coisa e a eterna escrita, as palavras me soterram as vezes, elas  e apenas precisam sair e precisam sair logo, com presa, com fúria, como uma iminente explosão e quando saem é mais um alivio momentâneo que um deleite descomunal.

Palavras, mentiras, você, eu, eu, eu,  sigo tentando manter o curso e ponderar a vida, hoje foi esse pequeno golpe, mais pensamentos, mais medos, mais incertezas, amanhã, logo cedo não haverá tempo para isso.

me desculpe por toda essa bagunça interna. eu não posso te ajudar.

Sociedade Botânica

A fumaça subia do café recém passado, o calor nos olhos era como algum alivio de mais uma noite em claro, a dor quase inexistia quando aquela calorosidade tocava o rosto. A vista para os lados embaçava e eu tinha absoluta certeza que o dia tinha que render, por mais que a cabeça doesse, que os olhos embaçassem ou que os dentes rangessem, era preciso prosseguir. Esse dia tem que acontecer!

Após provar três goles de café notei um gosto distinto, uma consistência fora do normal, havia aquecido a água numa cheleira com justicia pectoralis, a qual havia feito um chá há alguns dias atrás, no momento de sono e necessidade de uma caneca de café, nem notei que ainda estavam as folhas da planta dentro da chaleira, até aí tudo bem, plantas do gênero são muito utilizadas na medicina natural da América Latina, como analgésicos funcionais e por esse motivo havia feito o chá há dias atrás, a possibilidade de voltas as aulas e principalmente o início do TCC haviam me trazido sonhos bizarros e dores de cabeça, acontece que justicia gendarussa e principalmente j.pectoralis possuem propriedades alucinógenas ainda pouco estudadas aqui no Brasil.

No dia do chá, acho justo dizer, a dor de cabeça não passou, me deu uma zonzeira e pensei " que bom que ainda tenho convênio e que bom que estou a poucos passos do hospital", após uma pequena tontura, senti sono e dormi. Nenhuma alucinação, nenhuma intoxicação, nada de nada, apenas o sono comum dos justos. Acordei ainda com dor, entendendo que aquilo poderia ser algo da vista ou uma sinusite mal curada.

Hoje pela primeira vez notei que a cana do brejo esta sendo ninho de alguma residente perigosa, ao tirar com dor no coração as ervas daninhas notei que havia algo mais que folhas secas entre a densa vegetação, era pele de cobra, comprida e bem demarcada entre abdome e dorso. Parei por um instante para olhar a pele no sol, bom, fazia um mês que eu não limpava aquele canteiro, a vegetação esta densa, os galhos estão tomando conta de tudo. Ao mexer um pouco mais, agora com o rastelo, ouvi aquele som de guizo e já me afastei, emiti o comunicado ao serpentário e logo mais eles irão remanejar a minha inquilina.

Entrei numa loja do centro pesquisando preços de smartphone, havia trabalhado a manhã inteira no canteiro de ervas medicinais, vestia uma jardineira, all star azul desbotado e camisa preta, estava com o cabelo preso num coque e o rosto possivelmente cansado, tendo que não havia dormido até então. Há tempos não experimento esse sentimento de ser muito mal atendida, eu estava com uma aparência ruim, olheiras e cabelo desgrenhado, mas ainda sim merecia respeito por parte dos vendedores que possivelmente não são pessoas com melhores condições de vida que eu. Parece que a galera esquece que somos todos assalariados e se esta trabalhando como vendedor em loja de rua certamente é porque não nasceu rico. Na high society paulistana, é comum notar muita galera tratando mal quem tem menos, vi de perto e me senti muito nada naquele local, observar por um tempo essa gente me fez sentir um pouco de nojo de tudo isso, até então eu não havia me tocado que realmente existia gente que com muita grana, nunca tive os pezinhos muito no chão, é verdade, mas tem uns tapas que a gente toma que ficam marcados para sempre. A elite e sua falta de lei foi um deles.

As vezes eu me olho e me acho horrível, as vezes me acho linda e acho meu corpo maravilhoso, hoje ainda bem, esse segundo sentimento é mais abrangente. Outro gole de café e agora...

sábado, 4 de fevereiro de 2017

I wish my name was Clementine

Um dia, no meu primeiro ano em Pelotas percebi um fenômeno estranho, mas que era algo muito real e corriqueiro, eu já tinha passado por muitos céus naquela cidade, muitas histórias, medos, fantasias, mas a primeira vez que notei era uma terça, era início de inverno, um vento cortante já rondava as ruas e um frio sorrateiro já adentrava os casacos de lã. Era o início do inverno e eu havia amado todo o verão,  chorado toda a primavera e ainda tinha os olhos inchados naquele outono. Todo aquele tempo havia sido uma grande eternidade, os dias foram longos e as noites regadas a solidão, soluços e músicas. Bom naquela semana fazia frio, o sol não esquentava a cimento da calçada e era preciso duas meias para poder estar lá fora, eu dormi muito, quando despertei era terça e o dia passou num piscar de olhos. Pela primeira vez na vida eu sentia a brevidade de um dia de inverno, a noite chegou tão rapidamente que jurei estar ocorrendo um eclipse, olhava para o céu e tinha certeza que alguém havia apenas apagado a luz.

Em minha primeira noite em Pelotas escureceu era quase dez da noite, revelando um por do sol majestoso que eu observava da janela de um apartamento no Porto, eu não tinha ideia de tudo que eu iria me causar naquela cidade, não tinha ideia da imensidão de amores que iria conhecer, dos laços que eu iria estreitar, dos apuros e das inseguranças que eu viveria, eu apenas olhava aquele céu vermelho tão incrível como eu jamais havia visto e pensava que tudo que eu mais almejava era estar exatamente ali naquele lugar, por uma das primeiras vezes eu estive tão puramente no presente que meu coração palpitava infinitamente. Pude ver mais céus vermelhos e mais entardeceres majestosos nas ruas da melancólica e surreal Pelotas e pude sentir muita falta de seus ventos e nuvens carregadas, de seus amanheceres tardios e suas sensações primeiras.

Era quase oito da noite e os pássaros atordoados ainda cantavam e buscavam abrigo, no carro em movimento eu olhava um fundo alaranjado e o céu coberto de nuvens, um banhado movimentado e ela batucando com os dedos no volante enquanto tocava Sarah Jaffe no Mp3 que eu acabara de conectar ao reprodutor. Era um longo dia de verão, talvez quase véspera de meu aniversário e São José repetia minha primeira noite em Pelotas enquanto mudávamos mais um plano e se criava mais uma sensitiva memória, no fundo eu apenas queria que aquele momento não terminasse, que a avenida cheia de carros fosse uma highway infinita em que eu te ouvisse batucar no volante e que essa certeza de que tudo esta bem durasse a eternidade.