quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Sociedade Botânica

A fumaça subia do café recém passado, o calor nos olhos era como algum alivio de mais uma noite em claro, a dor quase inexistia quando aquela calorosidade tocava o rosto. A vista para os lados embaçava e eu tinha absoluta certeza que o dia tinha que render, por mais que a cabeça doesse, que os olhos embaçassem ou que os dentes rangessem, era preciso prosseguir. Esse dia tem que acontecer!

Após provar três goles de café notei um gosto distinto, uma consistência fora do normal, havia aquecido a água numa cheleira com justicia pectoralis, a qual havia feito um chá há alguns dias atrás, no momento de sono e necessidade de uma caneca de café, nem notei que ainda estavam as folhas da planta dentro da chaleira, até aí tudo bem, plantas do gênero são muito utilizadas na medicina natural da América Latina, como analgésicos funcionais e por esse motivo havia feito o chá há dias atrás, a possibilidade de voltas as aulas e principalmente o início do TCC haviam me trazido sonhos bizarros e dores de cabeça, acontece que justicia gendarussa e principalmente j.pectoralis possuem propriedades alucinógenas ainda pouco estudadas aqui no Brasil.

No dia do chá, acho justo dizer, a dor de cabeça não passou, me deu uma zonzeira e pensei " que bom que ainda tenho convênio e que bom que estou a poucos passos do hospital", após uma pequena tontura, senti sono e dormi. Nenhuma alucinação, nenhuma intoxicação, nada de nada, apenas o sono comum dos justos. Acordei ainda com dor, entendendo que aquilo poderia ser algo da vista ou uma sinusite mal curada.

Hoje pela primeira vez notei que a cana do brejo esta sendo ninho de alguma residente perigosa, ao tirar com dor no coração as ervas daninhas notei que havia algo mais que folhas secas entre a densa vegetação, era pele de cobra, comprida e bem demarcada entre abdome e dorso. Parei por um instante para olhar a pele no sol, bom, fazia um mês que eu não limpava aquele canteiro, a vegetação esta densa, os galhos estão tomando conta de tudo. Ao mexer um pouco mais, agora com o rastelo, ouvi aquele som de guizo e já me afastei, emiti o comunicado ao serpentário e logo mais eles irão remanejar a minha inquilina.

Entrei numa loja do centro pesquisando preços de smartphone, havia trabalhado a manhã inteira no canteiro de ervas medicinais, vestia uma jardineira, all star azul desbotado e camisa preta, estava com o cabelo preso num coque e o rosto possivelmente cansado, tendo que não havia dormido até então. Há tempos não experimento esse sentimento de ser muito mal atendida, eu estava com uma aparência ruim, olheiras e cabelo desgrenhado, mas ainda sim merecia respeito por parte dos vendedores que possivelmente não são pessoas com melhores condições de vida que eu. Parece que a galera esquece que somos todos assalariados e se esta trabalhando como vendedor em loja de rua certamente é porque não nasceu rico. Na high society paulistana, é comum notar muita galera tratando mal quem tem menos, vi de perto e me senti muito nada naquele local, observar por um tempo essa gente me fez sentir um pouco de nojo de tudo isso, até então eu não havia me tocado que realmente existia gente que com muita grana, nunca tive os pezinhos muito no chão, é verdade, mas tem uns tapas que a gente toma que ficam marcados para sempre. A elite e sua falta de lei foi um deles.

As vezes eu me olho e me acho horrível, as vezes me acho linda e acho meu corpo maravilhoso, hoje ainda bem, esse segundo sentimento é mais abrangente. Outro gole de café e agora...

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