quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

Corpo

Eu olhava meu corpo essa madrugada, olhava cada parte dele, como se meus dedos tivessem pequenos olhinhos nas pontas. O tato provavelmente é meu sentido mais apreciado, há uma beleza sutil em sentir as coisas com os dedos, mais que o olfato, mais que a visão. A gente nunca escolhe o que ver ou que cheiro sentir, mas a gente sempre tem o poder de escolha sobre o tato, podemos sempre escolher o que tocar. Você vê tudo a sua volta, pode analisar detalhes com os olhos, mas com a ponta dos dedos você consegue sentir a matéria, consegue sentir a realidade, a concretude, o tato é o sentido que mais te faz presente, pois não podemos tocar o passado.

 Alguns cheiros sempre me remetem à um lugar, um momento, uma pessoa. Alguns sons, timbres, músicas podem me transportar para outro momento qualquer, podem me levar ao futuro, ziguezaguear entre passado e presente, numa dança louca. Mas o tato requer que eu esteja completamente aqui, vivendo isso, tocando sua pele, seu cabelo, acariciando o cão ou passando os pés descalços no lençol limpo.

Quando um ser humano nasce, tato é seu sentido mais apurado, bebês não enxergam bem nas primeiras semanas, também não reconhecem muitos sons nos primeiros meses, eles não conhecem muita coisa, não possuem associações e acredito que apesar da memória olfativa ser formada desde a mais tenra idade, bebês não são capazes de distinguir cheiros. Mas o toque, o toque sempre foi essencial. Eles sentem deleite através do corpo como um todo, o corpo é a sexualidade do bebê, o toque está presente a todo momento, o corpo em contato com o corpo da mãe durante a amamentação, o corpo em contato com o corpo do pai, enquanto este o embala para dormir., o corpo existindo no universo, sentindo a gravidade agir, o ar, o calor, o frio e tudo o que é matéria. O tocar e conhecer o próprio corpo, quando a criança se distingue do mundo, da volta, do outro. A descoberta gera prazer, o entender-se uno ao tocar seus pés, seu rosto, sua pele, delimitar o espaço de ser.

A gente se esquece do toque quando cresce, o tato passa a ser algo corriqueiro, essencial para o movimento de precisão, para a escrita, manipular objetos, mas a gente esquece de sentir verdadeiramente o mundo a nossa volta. Vemos o mundo, cheiramos o mundo, ouvimos o mundo, mas raramente tocamos o mundo. Raramente sentimos o outro e mais raramente ainda sentimos à nós mesmos.

Fez parte da minha aceitação, o tocar minha pele, quando se tem algo estampado em seu corpo, não se pode ficar livre disso, eu passei a me tocar bem mais depois de ter uma crise forte de psoríase, passei a sentir meu corpo com muita frequência, já que não temos olhos nas costas. Eu senti cada momento da doença, cada recaída e cada falha de todos os tratamentos. Mas com isso aprendi a conhecer minha pele e ama-la assim.

Estou à muito, para dizer que cada pedaço de um corpo, conta uma história, as veias saltadas e arroxeadas, as cicatrizes de cortes, quedas, acne, cravos e estrias, todas são marcas e todas mostram a história por trás do corpo. O rosto estampa todos aqueles sinais de que você está aqui, está vivendo e tem aprendido. O corpo é sua casa por agora, é o que se projeta para onde se quer ir, é a nossa cara nessa vida, todos os corpos possuem uma história, todos devem ser respeitados, para que cada história possa ser percebida. Cada mancha é um pequeno verso de uma imensa vitória, entenda todos dias a beleza de todos os corpos e prestigie, conheça, toque e sinta sua imagem e matéria na Terra

Nenhum comentário:

Postar um comentário