segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O mundo estancou de repente ou foi a gente que cresceu?

Tem dias que eu realmente não consigo, hoje foi um deles, amanhã se aproximava sorrateira, me trazendo questões urgentes a serem resolvidas, desgaste a vida em grande parte de suas formas, eu fiz que não estava vendo aquele turbilhão vindo, ontem o futuro, hoje o agora. Com tantas responsabilidades e momentos tensos de decisões que parecem urgir sua vida e encomendar sua morte, a vida vai se fazendo e eu quase nunca paro para ver o que realmente acontece em mim, em como eu tenho sido e o que ando buscando. Aquela frase de autoria desconhecida que virou fenômeno de legenda de fotos há cerca de dois anos atrás: apenas vai, apenas foi, fui e todas as conjugações pertinentes do verbo ir. Confesso que não aderi o uso da frase para a vida no aspecto digital, mas desde os diagnósticos e da minha recusa dos tratamentos decidi que apenas deveria ir sem parar demais para pensar nas coisas. Lembro que naquela época estava num autoconhecimento profundo, cheio de acontecimentos intrigantes, erros e melancolia, apenas ir me possibilitou um mundo de coisas que talvez eu não vivesse agora, mas até que ponto se ignorar é bom? Eu olho no espelho e percebo que este tempo esta passando, que as coisas vão mudando e assim como as concepções de mundo, eu realmente me sinto mais velha e sinto que algo de inevitável se aproxima, esta correndo como água entre os dedos, o nosso amigo tempo,, curador de todas as dores esta voando sobre nossas cabeças, esculpindo nossas faces, afinando nossos rostos e aprofundando nosso olhares. Os aspectos que antes me fugiam os olhos agora saltam serpenteando em meu rosto: o tempo, a vida, eu.

Observava atenta os relatos de minha tia-avó, aos setenta e nove, após um acidente vascular cerebral, uma vista prejudicada e um principio de uma doença que lhe tira a memória, ela me mostrava as fotos de sua juventude, queria um quadro grande para que pudesse deixar a vista e para que todos vissem o trabalho maravilhoso que fazia na época, eu supunha atenção à ela, mas minha mente travava batalhas imensas sobre como eu deveria estar trabalhando em meu TCC ou estudando genética naquela hora, no fundo eu tentava me importar com tudo que ela contava, por mais que eu já soubesse todos aqueles acontecimentos de cor, por mais que eu já conhecesse aquelas fotos por cada detalhe. Parece cruel, mas no fundo as coisas tem relativa importância apenas a quem as possui, seus feitos, bons ou maus, são esquecidos, suas histórias, belas ou feias são apagadas, tudo de mais importante na sua vida morre com você. No momento um rompante de desapontamento com a existência tomou conta de minha mente, aquela sensação de falta de fé, de que tudo acabará e por mais que você volte infinitas vezes, essa vida não fará sentido algum após o cumprimento de sua jornada atual, suas perdas e ganhos, os processos de dor e de felicidade, serão meros vultos, apagados por um véu invisível. Aquele meu descredito com o futuro sempre a tona .

Eu realmente sempre amei ouvir sobre a vida das pessoas que me cercam, a infância de meus pais e avôs, as histórias misteriosas de Zé Aleixo, o filho de escravos, a casa de barro sem forro, o céu repleto de estrelas do sul de Minas, o casarão e a senzala, os fogões à lenha e os banhos de rio, meu pai sempre falava sobre aqueles aspectos mais belos do que vivera, por mais que o dinheiro faltasse, por mais que vó corresse atrás com vara de marmelo, por mais que tivesse sido uma época complicada a formação profissional. Minhas tias avós contavam da infância na roça, o irmão que participou das guerras e morreu ainda moço, a mãe parteira, segurava o nenê das moças todas do bairro. O filho que minha vó perdeu por causa do raio, o sobrinho que morreu pondo sangue pela boca, a labuta do pai e a dor do amor esquecido e já falecido. Aparentam sempre ser histórias de alguma tristeza e de que algo de grandioso ficou lá trás, nas palavras delas " a vida já passou". Algo de se amargurar o tempo perdido, os erros e os acontecimentos não perdoados. 

Me olhava no espelho e acho que tal introspecção tão fervorosa, eu só havia feito em meados de agosto do ano passado, adiantando os sintomas de um surto psicótico, passando a mão pelo rosto notei que minha pele sofreu com o impacto dos últimos quatro anos, os corticoides para a psoríase, os cremes caros e oleosos, as exposições desmedidas ao sol de Ubatuba e aquelas olheiras que agora custam a sair e se amenizar. Meu pai tem um rosto marcado com muitas expressões, minha pele é parecida com a dele em inúmeros aspectos, não tenho marcas ainda, fora alguns risquinhos na testa e as marcas de expressão causadas por algum sorriso em demasia. Eu estou aproveitando meu tempo aqui? me perguntei a priori, a principio pensei que não, mas logo notei o tanto que eu já havia vivido e o quanto havia aprendido nesses últimos anos.

Mas como eu dizia, tem dias que eu realmente não consigo, não consigo apenas deixar esse tempo correr, antes das grandes decisões preciso parar e rever meus passados, nossos passados, mas o amanhã já é o agora e apesar de ter tirado esse longo e tardio dia para notar meus aspectos mais desapercebidos, temo dizer que o hoje já esta começando e no começo sempre se labuta mais e no começo sempre se tira uma força da cartola. Aqui estamos, bem vinda a esse momento único da vida, que por mais que seja penoso, já esta a um passo de terminar.     

"estou disposta a isso, estamos a um passo do fim, olha para lá, consegue ver? ta vendo o horizonte? olha como a gente vive hoje, olha essas possibilidades todas se abrindo como um universo de constelações infinitas aqui. somos esse pontinho aqui, olha, olha. eu menor que o grão de areia, se comparado a essa imensidão. estou feliz agora, nesse exato agora. vamos correr pela rua? não quero que isso acabe, quanto tempo já estamos vivendo isso aqui? vamos correr até o mar, quero que esse momento dure a eternidade" Foi um passo e agora esse momento completa 400 voltas no próprio eixo.  

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