quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Despersonalização

Maratona de Black Mirror na madrugada de ontem e parece que meu mundo meio que congelou, é certo que alguém com um histórico complexo de psicoses e despersonalizações como o meu não deveria forçar o cérebro de tal maneira, mas hoje era dia de los muertos, eu não teria aula e consequentemente poderia surtar a vontade dentro da minha própria casa. As cinco da manhã parei com a série, já percebendo que Black Mirror não é para assistir dessa forma, cada episodio traz uma serie de reflexões pertinentes e devemos de fato parar para pensar sobre elas. Eu não dormi, deitei e fiquei olhando para o nada e rolando na cama tentando em vão arrumar uma boa posição. É uma fuga da rotina, mas por ser feriado me permiti fazer o que gosto bastante, não ter hora exata para acordar.

Ontem antes da aula conversava com Lili, Erika, Fabi e Carol sobre 2001, estando na reta final da história, sinto que não gostaria que o livro terminasse, como foi com Lolita e Fabrica de Vespas, o primeiro me causou um incomodo como nenhum outro havia feito, quando se via a malicia por qual Humbert Humbert observava a criança e notava que todas as ações de Dolores eram nada mais, nada menos que coisas que crianças normais fariam, o incomodo era iminente, será que realmente essa é a visão de um pedófilo? Ou ele realmente achava que Lolita tinha noção completa do que fazia? Lolita ficou em minha cabeça por dias, mesmo eu só tendo curiosidade em ler por causa do apelido fofinho e ambíguo de Lois. Quem superou Lolita de fato e com muita maestria, cerca de oito meses mais tarde, foi Frank, Fábrica de Vespas me causava repulsa, nojo e asco, mesmo assim a leitura me tragava e eu não consegui parar até  chegar naquele inimaginável final e novamente ficar vidrada naquilo, para evitar ressaca literária, já que só fui conseguir ler qualquer livro que não fosse cientifico após oito meses do termino de Lolita, emendei 2001 sem nem dar tempo pro cérebro computar toda a informação da viagem feita dentro do mundo subvertido de Frank e sua família.
Lili, como mais velha do grupinho onde eu estava inserida no momento, disse que havia assistido o filme, depois de um brigadeiro com maconha e entrado numa bad gigantesca com a dantesca e super futurística história de HAL e da Discovery, eu concordei, o livro causa uma sensação estranha, um pouco maior que Fabrica de Vespas, por tratar de algo incerto, algo que a gente nunca vai tanger, algo que esta no imaginário de praticamente toda a humanidade, 2001 me traz a sensação que já conhecia de tempos, quando li, ainda bem novinha, beirando os 13 anos, Eram os Deuses Astronautas , tendo o homem chegado a lua um ano depois do lançamento do livro e um ano exato após o lançamento do filme, os anos 60 meados de 70 trouxeram o boom espacial para a humanidade de fato. Meus pais me possibilitaram algumas leituras que formaram de fato minha personalidade e contribuíram enormemente para as loucuras em que acredito hoje. Incidente em Antares, Eram os Deus Astronautas, Admirável Mundo Novo, Horror em Amityville, Mobydick e A Odisseia, formam o montante de livros que li de forma precoce e que tiveram grande impacto na minha vida, na época de uma Anelise em formação e da pessoa que sou hoje, cercada desses "probleminhas" sociais.

Bem, a aula se passou sem problemas, conversei com Lili num intervalo entre genética e zoo, sobre nosso atual cenário politico e social, mas principalmente sobre nosso futuro incerto, como licenciandas, como educadoras, como pessoas que realmente se importam com aqueles que vemos diariamente em sala de aula, aquelas pessoinhas que apesar de levar a vida hoje na brincadeira tem uma sociedade inteira nas costas e devem ser intruidas, orientadas e  acolhidas da melhor forma possível. Lili, teve uma sorte imensa ao conhecer um projeto inovador de educação na cidade em que estagiamos, uma escola experimental, estilo escola da Ponte, que traz um conceito maravilhoso, mas de difícil aceitação em uma sociedade pseudo conservadora, de fato os prognósticos sobre esse novo método sairão em breve e vou deixar essa discussão muito pertinente com Lili para outro longo texto desse blog/diário.

Após uma conversa um tanto estranha com a professora de zoo (e devo deixar isso para outro texto, já que toda minha história com ela vem merecendo um estudo a parte) comecei a sentir dores fortíssimas de cabeça , havia passado um dia inteiro sem café, talvez a cafeina estivesse fazendo falta para meus neurotransmissores, sai do laboratório sob um olhar de reprovação fortíssimo de Karla, ela mais que todas as outras professoras, odeia que larguemos as aulas, principalmente as práticas. Mas ela já deveria estar acostumada, odeio o cheiro de formol e me enoja lidar com ratos e morcegos mortos, amo e participo com afinco apenas das aulas de osteologia, pois toda estrutura dos corpos orgânicos me fascina, acho a formação dos ossos monstruosamente incrível e cultivo sem medo de represálias, uma pequena coleção pessoal de ossinhos. Andando pelo céu noturno de um campus semi vazio, notei que eu já estava quase perto do aras e ainda de jaleco, eu não havia percebido que tinha ido tão longe e nem tinha noção de que horas eram. Lembrei na hora da aula da Lívia em que tudo isso começou, a primeira vez em que sem fazer uso de nenhuma substancia eu havia perdido a noção completa da realidade. Engraçado que naquele dia especifico eu também tinha conversado com Lili durante um bom tempo, eu estava inclusive ao lado dela quando notei que tinha algo bem errado com a minha percepção da realidade. Apaguei aquele pensamento e voltei rapidamente para o laboratório, parando na cantina para tomar um suco de maçã e tentar me focar novamente nos ratos mortos.

Nat, a cerca de uma semana me dizia enquanto comíamos um pedaço de pizza antes da aula de legislação, para assistir Black Mirror, após eu ter dissertado o quanto gostava de livros e filmes que desgraçassem minha mente e me fizessem pensar e pensar e pensar. Ele me deu uma síntese rápida de como o primeiro episodio havia mexido com ela e disse enquanto deixávamos a cantina em rumo ao auditório, "assiste e você nunca  mais vai olhar para sociedade do mesmo jeito".  Ultimamente nem mesmo a Revolução dos Bichos que reli após cinco anos, me fez mudar de alguma forma a visão da sociedade.

Assisti a serie durante a madrugada, cozinhei uma massa al dente, fiz um pequeno refogado de alho e ervas e quando a janta estava pronta me deitei, com um suco de maçã e cenoura recém batido para assistir. O primeiro episodio me causou repulsa, o segundo me deixou descrente e assim foi seguindo desgraçamento após desgraçamento. Ás 10 horas eu já estava desperta, mas não quis me levantar, as 12 eu acordei novamente sabendo que tinha roupa para lavar, mas não me levantei, às 15 o mundo caiu e eu ouvi da minha cama uma tempestade monstra lá fora e agradeci a mim mesma por não ter lavado a roupa. Ás 17 horas acordei com a minha cozinha inundada e sem luz, eu não podia fazer um café ou uma comida qualquer, pois meu fogão só funciona na eletricidade e eu não tinha fósforos, não podia bater um suco de inhame e morango pois o liquidificador precisa de energia, não podia fazer uma torrada ou misto pois a torradeira também precisava de energia, não podia secar a cozinha pois o aspirador de pó/água não funciona sem energia e os únicos panos limpos são os tapetes do banheiro e da sala. Até minha lanterna precisava ser carregada na energia, a luz de fora, a cafeteira, o celular para que eu pudesse ligar na Bandeirantes pedir para religar a força, tudo descarregado.  Busquei umas velas e não encontrei nada. Na hora a mente misturou, como eu já sabia que faria, mas aquelas condições todas ajudaram um tanto, a trazer a despersonalização de volta, apesar de eu saber no fundo as causas e saber com toda certeza que o que eu via ou sentia não era real, a sensação é absurda. Andei pelo corredor, a luz gélida de fim de tarde me remeteu instantaneamente a luz azul de emergência de uma Discovery em pane, parecia que o chão não estava ali, um havia algo bem errado com a gravidade, eu pisava uma água turva e até mesmo uma fumaça desintegrada pairava no ar, a essa altura o notebook estava ligado sobre a mesa da cozinha, eu estava atordoada, completamente fora da realidade, mesmo tendo uma minima consciência de que aquele estado iria em breve passar. Passei esbarrando a mão na mesa, ao menor movimento o mouse acendeu sua luz vermelha óptica e Cortana, cortou o silencio inerte da casa, dizendo com sua voz robótica "pergunte-me alguma coisa". Eu quis gritar, até minha mente entender que aquela era a saudação normal da minha maquina quando era ligada, me lembrei de HAL, da Siri, das previsões de 2001, ficção de 1968, teve como previsão tudo o que vivemos hoje. Lembrei do momento em que Floyd agarra seu Newspad, abordo do ônibus espacial, onde podia ter acesso a toda informação do mundo com um simples toque de dedo, era 1968, estamos à anos disso e temos todas as tecnologias que foram previstas no livro, chegamos ao espaço, a lua, e temos sondas em Marte, Discovery provavelmente já existe e minha mente estava prestes a explodir ao assimilar tudo isso com a realidade distópica de Black Mirror e todas as coisas que vivemos hoje. Decidi que era melhor eu me deitar já que a mente estava funcionando com muita informação e ao piscar os olhos um tanto de vezes, ainda na atmosfera estranha da falta de realidade, me lembrei de Le Congrès e do quão perto estávamos da ficção novamente se tornar realidade. Há pouco tempo a luz voltou, fiz meu café, comi minhas torradas e novamente esperei que a realidade voltasse a fazer sentido, claro ela voltou, mas aqueles pensamentos todos estão gravados e o medo eminente do que vamos nos tornar no futuro continua.
      

Um comentário:

  1. Acho que estou um pouco, muito, ou até demais, apaixonada no seu blog, em como você descreve o mundo à sua volta e todas suas histórias.

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